Opinião

Contos praianos

Por Eduardo Ritter
Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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Uma das melhores paixões que se pode viver é a paixão de verão. Especialmente a praiana. Tem um ciclo curto, um clima de irrealidade, de sonho, não dá muito tempo de alguém estragar tudo e sempre é inesquecível. Quando era adolescente, certa vez me apaixonei por uma morena de cabelos lisos e longos da minha idade que ficou hospedada no apartamento em frente ao da minha família. Escrevi sobre isso em uma crônica publicada no meu livro "Dançando valsa no pagode" (Insular, 2022). Eu ouvia um barulho no corredor e disparava para o olho mágico para ver a minha jovem amada. O troço todo resultou na elaboração de um plano mirabolante planejado por uma prima minha para promover um encontro "acidental" com a moça dos cabelos negros do apartamento da frente. Mas não vou contar a história toda, pois para saber o que rolou você deve ler o meu livro.

Pois bem, nesta semana voltei de férias e vou contar sobre um caso de amor que vivi no litoral norte gaúcho. Foi assim: "ela boiava toda aberta, viajando mais longe que aqueles navios cruzando de tardezinha o horizonte, ninguém sabia em direção a onde. Então ele veio, braço após braço, meio tosco, meio selvagem, e de repente num braço estendido à frente do outro a mão desse braço tocou sem querer, por isso mesmo meio bruscamente, a coxa dela. A moça contraiu-se, esponja ferida, projetou o busto e abriu uns olhos meio injetados de sal, de mar, de luz. A mão dele também contraiu-se, e ficaram os dois se olhando, completamente molhados, direto nos olhos, quase meio-dia de sol abrasador, verão a mil. Você sabe, susto de onça, leopardo, nesse olhar que, além dele ou dela, só abarcava um mar imenso". Depois desse encontro, como diria Renato Russo, a vontade aumentava como tinha de ser até que a troca de olhares, o clima de verão e o ar praiano falaram mais alto e ambos passaram a nadar nas águas mornas e salgadas do suor resultante do crescente e ardente desejo.

Eu vivi essa história, mas não na pele, e sim na imaginação, lendo o conto "Mel e girassóis (ao som de Nara Leão)", que está na coletânea "Os dragões não conhecem o paraíso" (1988), de Caio Fernando Abreu. Aliás, eis um livro perfeito para ser lido durante uma estadia na praia. Esse texto, em particular, é inspirador. No meu caso, fez-me lembrar das poucas, mas intensas, paixonites de verão que vivi ao longo da vida. Nessas férias, que acabaram na semana passada, porém, só tive esse prazer lendo os textos de Caio Fernando Abreu que, como mencionei em coluna no final do ano passado, é tiro certo para quem procura textos leves e descontraídos para relaxar e revigorar.

De carne e osso, além da leitura, curti os passeios no final de tarde à beira mar, vendo o sol se pôr, molhando os pés na água morna que batia na altura da minha canela, enquanto sonhava com o dia em que estarei novamente nadando desengonçado enquanto ela vem ao meu encontro boiando de braços abertos até que nossos corpos acidentalmente se encontrem... Enquanto isso, continuo embalado apenas pela leveza da literatura e de contos praianos que tem em Caio Fernando Abreu um inigualável especialista e pelas lembranças de outros tempos em que, apesar da pouca idade, vivia cada verão como se fosse o último.

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